Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 1
NOTAS EPISTEMOLÓGICAS SOBRE O CONCEITO DE ESPAÇO GEOGRÁFICO
A PARTIR DE MILTON SANTOS
NOTAS EPISTEMOLÓGICAS SOBRE EL CONCEPTO DE ESPACIO GEOGRÁFICO
DE MILTON SANTOS
EPISTEMOLOGICAL NOTES ON THE CONCEPT OF GEOGRAPHICAL SPACE
FROM MILTON SANTOS
Wagner Alves CABRAL1
e-mail: professorwagnergeografia@gmail.com
Como referenciar este artigo:
CABRAL, Wagner Alves. Notas epistemológicas sobre o
conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos.
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1,
e023004. e-ISSN: 1984-1647. DOI:
https://doi.org/10.35416/2023.8895
| Submetido em: 12/08/2021
| Revisões requeridas em: 19/06/2023
| Aprovado em: 04/09/2023
| Publicado em: 04/09/2023
Editoras:
Eda Maria Góes
Karina Malachias Domingos dos Santos
Roberta Oliveira da Fonseca
1
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campina Grande PB Brasil. Licenciado em Geografia.
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 2
RESUMO: Revisitar o pensamento de Milton Santos é, por um lado, reconhecer o quão este permanece
atual no âmbito da contextualização geográfica dos fenômenos e, por outro, o quão colaborativo tende
a ser na construção das novas explicações teórico-conceituais e metodológicas que vão fomentar os
novos momentos no movimento do pensamento geográfico. Concordando com esse entendimento, o
objetivo que norteia a realização deste trabalho procura conta de compreender a evolução teórico-
metodológica do conceito de espaço geográfico no pensamento de Milton Santos e as suas contribuições
para a Geografia brasileira. Dessa forma, a pesquisa, que é de natureza teórica, construída em torno da
análise de obras deste autor de renome na Geografia brasileira, as quais consideramos cruciais no âmbito
da temática evidenciada, são elas: Por Uma Geografia Nova (1978), Espaço e Método (1985),
Metamorfoses do Espaço Habitado (1988) e A Natureza do Espaço (1996). A escolha destas obras se
deu pela possibilidade de, através delas, analisar a proposta conceitual de espaço geográfico elaborada
por Milton Santos, bem como a trajetória evolutiva deste conceito no pensamento do autor mediante os
rumos da sociedade capitalista, de sua espacialidade e de sua reflexão geográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia da geografia. Espaço geográfico. Milton Santos.
RESUMEN: Revisar el pensamiento de Milton Santos es, por un lado, reconocer cuán actual se
mantiene en el marco del análisis geográfico de los fenómenos y, por otro, contribuir en la construcción
de nuevas explicaciones teórico-conceptuales y metodológicas, propiciando nuevos momentos en el
movimiento del pensamiento geográfico. Coincidiendo con este entendimiento, este trabajo busca
comprender la evolución teórico-metodológica del concepto de espacio geográfico en el pensamiento
de Milton Santos y sus aportes a la Geografía brasileña. Así, esta investigación de carácter teórico,
construidas en torno al análisis de las siguientes obras de este reconocido autor de la Geografía
brasileña, que consideramos cruciales en el ámbito del tema destacado: Por Uma Geografia Nova
(1978), Espaço e Método (1985), Metamorfoses do Espaço Habitado (1988) y A Natureza do Espaço
(1996). Estas fueron escogidas por su contribución para el análisis de la propuesta conceptual del
espacio geográfico, elaborada por Milton Santos, así como, la trayectoria evolutiva de este concepto
en su pensamiento al respecto de la trayectoria de la sociedad capitalista, de su espacialidad y de su
reflexión geográfica.
PALABRAS CLAVE: Epistemología de la geografia. Espacio geográfico. Milton Santos.
ABSTRACT: Revisiting Milton Santos' thinking is, on the one hand, recognizing how current it remains
in the context of the geographical contextualization of the phenomena and, on the other, how
collaborative it tends to be in the construction of new theoretical-conceptual and methodological
explanations that will foster the new moments in the movement of geographical thought. Agreeing with
this understanding, the objective that guides this work seeks to understand the theoretical-
methodological evolution of the concept of geographic space in Milton Santos' thought and his
contributions to Brazilian Geography. Thus, the research, which is theoretical in nature, built around
the analysis of works by this renowned author in Brazilian Geography, which we consider crucial in the
scope of the highlighted theme, are: Por Uma Geografia Nova (1978), Espaço e Method (1985),
Metamorphoses of Inhabited Space (1988) and The Nature of Space (1996). The choice of these works
was due to the possibility, through them, to analyze the conceptual proposal of geographical space
elaborated by Milton Santos, as well as the evolutionary trajectory of this concept in the author's thought
through the directions of capitalist society, its spatiality and its reflection geographic location.
KEYWORDS: Epistemology of geography. Geographic space. Milton Santos.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 3
Introdução
O presente estudo é fruto do trabalho de conclusão de curso de Geografia da
Universidade Estadual da Paraíba. O qual trouxe consigo o objetivo principal compreender a
evolução teórico-metodológica do conceito de espaço geográfico no pensamento de Milton
Santos e como esta contribuiu para o fortalecimento/renovação da Geografia brasileira. Para
tal, estabelecemos os seguintes objetivos específicos que consistem em: apresentar o conceito
de espaço geográfico na Obra de Milton Santos; discutir as bases teórico metodológicas do
conceito de espaço geográfico em cada etapa reflexiva de Milton Santos e analisar as
contribuições de Milton Santos para a Geografia brasileira.
Como meio para alcançar os objetivos traçados o presente estudo, que é de natureza
teórica, foi conduzido metodologicamente com base na realização da pesquisa bibliográfica.
No curso da pesquisa bibliográfica, foram selecionadas as obras de Milton Santos, nas quais o
espaço comparece como questão central ou como parte crucial da temática discutida. Desta
forma as obras selecionadas, foram: Por Uma Geografia Nova (1978), Espaço e Método (1985),
Metamorfoses do Espaço Habitado (1988) e A Natureza do Espaço (1996). Nestas obras
buscamos analisar a construção teórica do conceito de espaço geográfico, apresentando, assim,
o processo de evolução e de mudança de algumas concepções construídas por Milton Santos no
tocante a este conceito.
Justificamos a relevância desse trabalho a partir da compreensão de que se trata de uma
contribuição para o debate teórico da Geografia, que visa não somente discutir, de forma
restrita, os fundamentos do espaço para Milton Santos no contexto espaço-temporal de sua
reflexão, mas, também, como um arcabouço teórico importante que lega a Geografia brasileira
bases para a construção de novas explicações para uma realidade que se transforma de modo
cada vez mais célere, exigindo da Geografia novas abordagens, reflexões e explicações.
Em síntese, podemos dizer que um dos maiores legados deixados pela obra de Milton
Santos é a concepção da Teoria geográfica como fundamento de uma realidade socioespacial
produto da relação espaço-tempo, na qual o espaço geográfico comparece como possibilidade
analítica que remete a uma totalidade conjugada pela indissociabilidade de ações e objetos
(materialidade e movimento), mas também a uma parte desta totalidade.
Assim, as contribuições deixadas por este Geógrafo foram fundamentais para a
consolidação de um novo momento do pensamento geográfico na Geografia brasileira, que
passa a ter o espaço, sobretudo a partir da década de 1970, como uma referência analítica que
vai do objeto em si da Geografia, a condição de uma categoria de análise que comporta a
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 4
reflexão acerca da totalidade dos fenômenos geográficos e, ao mesmo tempo, de suas partes
constituintes. Dessa forma, é pertinente dizer que a partir do pensamento de Milton Santos
conseguimos extrair ferramentas teórico-metodológicas para analisar criticamente o mundo que
nos cerca tendo como base o espaço e suas mais diversas dinâmicas, compreendidas no âmbito
de um movimento dialético que é ora possibilidade, ora contrariedade.
A concepção de espaço para Milton Santos
O conceito de espaço geográfico é central nas discussões em Milton Santos. Propomos
nesta secção apresentar o desenvolvimento das formulações do conceito de espaço em algumas
de suas principais obras, discutindo cada conceituação que foi dada ao espaço geográfico em
diferentes etapas reflexivas do autor.
Escolhemos como base teórica as seguintes obras Por Uma Geografia Nova
(originalmente publicada em 1978); Espaço e Método (originalmente publicada em 1985);
Metamorfoses do Espaço Habitado (originalmente publicada em 1988); e, A Natureza do
Espaço (originalmente publicada em 1996), que serão analisadas em ordem cronológica a fim
de evidenciar como se deu a evolução do sistema de ideias deste autor em relação ao espaço.
O contexto histórico-geográfico do pensamento de Milton Santos
Considerado um dos maiores nomes da Geografia brasileira e com reconhecimento
notável na Geografia mundo afora, Milton de Almeida dos Santos tornou-se um cidadão do
mundo, nasceu no dia 03 de maio de 1926 em Brotas de Macaúbas no estado brasileiro da
Bahia, e desde que começou a debruçar-se sobre as questões da Geografia passou a contribuir
valorosamente com o processo de renovação desta ciência que, como vimos, chega a década de
1970 demandando novas explicações para a realidade socioespacial complexificada pelos
rumos da sociedade capitalista. Sua formação inicial foi em Direito pela Universidade Federal
da Bahia em 1948, mas sempre demostrou interesse pela Geografia ao longo de sua formação
intelectual, vindo a se tornar “Doutor em Geografia em 1958 pela Université de Strasbourg, na
França” (MILTON SANTOS, 2021)
Milton Santos ingressou na Faculdade de Direito aos 18 anos, formando-se em 1948.
Logo em seguida prestou concurso e foi ministrar Geografia em Ilhéus-BA, onde permaneceu
até 1953, período em que conciliava os trabalhos de professor, jornalista e advogado. Em 1956
Santos se mudou para Salvador onde passou a ministrar Geografia Humana na Universidade
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 5
Católica. A partir de então, a participação em Congressos na área de Geografia, “a exemplo do
Congresso Internacional de Geografia (1956), o permitiu estabelecer contato com geógrafos de
diferentes partes do mundo, tal como Jean Tricart que o convidou para continuar seus estudos
em Geografia na Universidade de Strasbourg” (MILTON SANTOS, 2021).
Posteriormente Milton Santos inicia uma série de contribuições, funda o
Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais na Universidade Federal
da Bahia, também assume a diretoria da impressa oficial da Bahia, torna-se
livre docente pela UFBA, e ainda é nomeado subchefe da Casa Civil durante
o rápido mandato de Jânio Quadros (MILTON SANTOS, n.p., 2021).
Todavia, seus esforços e contribuições são interrompidos pelo período do regime
militar, em que chegou até a ser preso. Naquele momento recebia vários convites para ser
professor visitante de universidades fora do país, mas eram negados pelo governo autoritário
da época. Milton Santos após problemas de saúde é liberado pelo governo militar, mas impedido
de ministrar aulas em seu país, sendo nesse período que recebe convites de universidades na
França e muda-se para Toulouse, percorrendo a partir de então diversos países. O seu retorno
ao Brasil acontece em 1977, momento marcado pelo um evento na UFBA, onde foi ministrado
o Curso de Extensão “A Cidade Mundial de nossos dias Desde esse período, Milton Santos
seguiu atuando de perto na Geografia brasileira, se tornando, em 1984, professor de Geografia
na USP”. (MILTON SANTOS, 2021).
Milton Santos ao longo de sua trajetória ao redor do mundo sempre buscou observar e
estudar aspectos diversos, principalmente do urbano, nos diferentes países em que esteve
presente. Percebeu e criticou a falta de uma teoria que explicasse a organização da estrutura
urbana dos países mais pobres, que nas décadas da segunda metade do século XX eram
chamados de terceiro mundo ou países do Sul. Com isso Milton Santos apresenta a teoria dos
dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, também “tornou-se um grande
estudioso e crítico do processo de Globalização e da forma como ele foi colocado em nosso
mundo” (MILTON SANTOS, 2021).
Ao longo de sua trajetória intelectual na Geografia, Milton Santos pôde vivenciar e
problematizar um contexto histórico-geográfico permeado de transformações que, não só
puseram em debate os fenômenos materializados, como também o papel analítico da Geografia
diante de tais fenômenos. As mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e,
consequentemente, espaciais, decorrentes de uma sociedade capitalista assentada sob as bases
da internacionalização do capital foi para Santos e outros geógrafos contemporâneos a ele
pressuposto para novas abordagens na Geografia.
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 6
O mundo vivencia, sobretudo a partir de 1970, os efeitos da Terceira Revolução
Industrial, evento marcado pela inserção da cnica, da informação e do conhecimento no
processo produtivo capitalista e, consequentemente, pelo estabelecimento de novas formas de
relacionamento entre os países na economia internacional, novas relações de trabalho e uma
nova racionalidade espacial. É um período em que os processos de urbanização e
industrialização evidenciam com mais veemência as contradições de dinâmicas econômicas
desenvolvidas sem articulação com a melhoria das condições sociais da população, o que resulta
em questões que tornam-se objeto de intenso debate na Geografia.
Neste contexto, Milton Santos evidencia, antes de tudo, a necessidade de fortalecer as
bases analíticas da Geografia como uma ciência que pensa o espaço geográfico, espaço
geográfico este constituído em meio a variáveis inerentes a cada contexto específico, como é o
caso dos países subdesenvolvidos. Assim, propõe uma complexa e bem fundamentada
sistematização teórica para esta ciência, formulando uma teoria geográfica que trouxe novos
conceitos e categorias que enriqueceram os debates no âmbito da Geografia. Milton Santos
chama atenção para a delimitação e definição do objeto de estudo da Geografia, concebendo-o
como o espaço geográfico. Para conceituar o espaço geográfico, Santos propõe ao longo de sua
jornada na Geografia conceitos que favorecem a compreensão, como é o caso de forma, função,
estrutura, processo, objetos, ações, técnica, formação econômica, totalidade, entre outras.
Desta forma, o que se percebe é que Milton Santos constrói sua trajetória na Geografia
refletindo sobre uma realidade dos países mais desiguais. Dedicou uma vida de trabalhos e
contribuições acadêmicas a Geografia, principalmente sobre o papel do cidadão, a organização
das cidades dos países subdesenvolvidos, além de uma série de outras contribuições.
Por uma Geografia do espaço
Para facilitar e deixar mais concisa a análise pretendida em torno do conceito de espaço
em Milton Santos, selecionamos obras que acreditamos ser cruciais à compreensão do processo
de construção e evolução do conceito de espaço em Santos. Desta forma, destacamos a partir
de agora as obras: Por uma Geografia Nova (originalmente publicada em 1978), Espaço e
Método (originalmente publicada em 1985), Metamorfoses do Espaço Habitado (1988
originalmente publicada em) e A Natureza do Espaço (originalmente publicada em 1996).
Daremos início à discussão sobre o conceito de espaço a partir da Obra Por uma
Geografia Nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica” publicada originalmente
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 7
em 1978, e considerada uma grande contribuição para o processo de renovação metodológica
da Geografia na década de 1970. Esta obra é considerada por muitos uma das mais complexas
e bem acabadas sobre a Geografia Crítica no mundo, com contribuições que expandiram e
expandem até hoje horizontes possibilidades para a construção da abordagem geográfica. A
obra divide-se em três partes sendo elas: A Crítica da Geografia”; “Geografia, sociedade,
espaço”; e, por fim “Por uma Geografia Crítica”.
Milton Santos pode ser considerado como um teórico do espaço, um filosofo do espaço
ou até mesmo um filósofo das técnicas. Em Por uma nova Geografia, Santos parte de uma
crítica a Geografia Tradicional e a Nova Geografia, crítica esta fundamenta, sobretudo, na falta
de precisão do objeto de estudo geográfico. Para Santos (2012), a Geografia tinha até então se
preocupado mais com o que é Geografia do que com o que a Geografia estuda.
Destemporalizando o espaço e desumanizando-o, a geografia acabou dando
as costas ao seu objeto e terminou sendo ‘viúva do espaço’. Para esse resultado
contribuiu o fato de terem sido perdidos muito esforço e muito talento na
busca por soluções imediatistas para problemas considerados imediatos, em
perseguir respostas particulares para problemas considerados específicos.
Acabamos, por isso, tendo uma multiplicidade tão grande de geografia que
justificaria um espírito irônico dizer que, nos dias de hoje, muitas
geografias mas nenhuma geografia (SANTOS, 2012, p. 119).
Nesse momento entende-se que houve uma fragmentação do conhecimento geográfico,
deixando de lado elementos básicos e essenciais para a análise do geógrafo, como as relações
sociais e as dinâmicas de apropriação do espaço e as desigualdades presentes na organização
espacial, entre outras questões importantes do âmbito geográfico. É em Santos (2012) que são
apresentados elementos que colaboram para os geógrafos analisarem criticamente o percurso
histórico da Geografia, é partir desse momento que ele apresenta as bases para pensar uma
Geografia verdadeiramente crítica.
Após tecer críticas à forma como deixaram de lado o conceito de espaço, Milton Santos
vai além, propondo uma (re)definição do objeto de estudo da Geografia. Santos (2012) a partir
de uma abordagem de influência marxista apresenta o espaço como base para a formação
econômica e social, concluindo que ela é possível através da base espacial-territorial
entendida pelo autor como uma formação socioespacial. O espaço nessa perspectiva passa a ser
compreendido como uma forma de relação e de indissociabilidade entre a natureza e a
sociedade. O espaço é, portanto, a base para a sociedade se desenvolver.
No processo de (re)definição do objeto de estudo da Geografia, Milton Santos insere
novas abordagens e perspectivas como elementos metodológicos para avançarmos na definição
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 8
do espaço geográfico. Neste patamar, podemos inferir que essa categoria pode ser entendida
como fato social, fator social e instância social, o que torna o espaço uma relação de ida e vinda
de uma produção recíproca sem fim.
A partir da influência dukheimiana de fato social, o espaço pode ser entendido como
“uma coisa, que existe fora do indivíduo e se impõe tanto ao indivíduo como a sociedade
considerada como um todo” (SANTOS, 2012, p. 161). Dessa forma, o espaço se impõe fora da
nossa consciência, apesar de se apresentar como uma mesma realidade para todos, ele é
percebido diferentemente por cada indivíduo ou grupo social, ou seja, ele é simultaneamente
produtor e produto, determinante e determinando.
O espaço sendo um fator social trata-se de um elemento de determinação. Entende-se o
espaço como resultado de uma produção histórica que passa a condicionar o ser humano e suas
ações a partir de suas configurações. Com essas características de determinação, o espaço passa
a reproduzir as linhas de força da estrutura vigente, onde se constituirá como possibilidade e
como contrariedade.
Seguindo as contribuições de Santos (2012), o espaço é elevado à categoria de instância
social, ou seja, aquilo que se impõe a tudo e a todos, sendo considerada como uma estrutura
autônoma ao lado da política, cultura e economia, por exemplo. Em outras palavras podemos
dizer que o espaço determina e é determinado por essas outras instâncias, ou seja, ele contém e
é contido pelas demais. Para Santos (2012, p. 181):
Ora, o espaço, como as outras instâncias sociais, tende a reproduzir-se, uma
reprodução ampliada, que acentua os seus traços dominantes. A estrutura
espacial, isto é, o espaço organizado pelo homem e, com as demais estruturas
sociais, uma estrutura subordinada-subordinante. E como as outras instâncias,
o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de uma certa autonomia
que se manifesta por meio de leis próprias, específicas de sua própria
evolução.
Apresentando essas concepções sobre o espaço geográfico como fato social, fator social
e instância social, Santos (2012) continua suas contribuições sobre a delimitação e definição do
objeto de estudo da Geografia, versando sobre os esforços empreendidos em definir a Geografia
e não o espaço, o autor ressalta que “de todas as disciplinas sociais, a Geografia foi a que mais
se atrasou na definição de seu objeto e passou, mesmo a negligenciar completamente esse
problema” (SANTOS, 2012, p. 144). Tal problemática foi deixada de lado por gerações de
geógrafos que direcionaram seus esforços a outras inquietações e deixaram de lado o objeto
explícito da Geografia o espaço social. Santos (2012) comenta que se discute cada vez mais
Geografia, uma palavra muitas vezes sem conteúdo, deixando de lado o espaço, seu objeto.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 9
Dessa forma, “a definição de espaço, tornou-se difícil e a da geografia impossível” (SANTOS,
p. 119).
Quanto a definição de espaço geográfico, Santos (2012) ressalta a tarefa árdua que tal
esforço teórico e metodológico exige do pesquisador. Para o autor o espaço deve ser
considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas, elas que
presente no espaço são uma forma de analisar e perceber como ocorreu o uso e ocupação desse
espaço no passado e como ele é usado no presente.
Para Santos (2012, p. 153):
O espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações
sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações
sociais acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de
processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja
aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma
idêntica em todos os lugares.
Nessa definição entra elementos de grande importância para o conceito de espaço
geográfico, que são denominadas pelo autor de categorias do método geográfico, sendo elas:
forma, função, estrutura e processo. Essas categorias são apresentadas em Santos (2012), porém
elas são bem definidas e delimitadas posteriormente, em Santos (2014a) na Obra Espaço e
Método, o qual começamos a discutir na sequência.
Avançando temporalmente pela Obra de Milton Santos, chegamos ao Livro “Espaço e
Método” publicado originalmente em 1985. Neste momento de seu pensamento, Milton Santos
continua suas discussões sobre o espaço geográfico fornecendo ferramentas teórico-
metodológicas para o geógrafo interpretar e compreender criticamente o espaço e suas
dinâmicas.
Santos (2014a) reafirma que a essência do espaço é social. Nesta concepção, o espaço é
um fator da evolução social, e não apenas uma condição para tal. O espaço, preservado seu
sentido de instância da sociedade, é visto a partir da totalidade e entendido como uma realidade
cumulativa onde temporalidades distintas coexistem. Quanto aos elementos do espaço para
Santos (2014a) seriam os seguintes: os homens, as firmas, as instituições, o chamado meio
ecológico e as infraestruturas. Esses elementos possuem interações, sendo eles intercambiáveis
e redutíveis de acordo com cada momento histórico, ou seja, existem momentos que os homens
podem ser tomados como firmas ou como instituições. Santos (2014a) coloca esses elementos
como variáveis, por consequência das suas variações quantitativas e qualitativas no tempo e no
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 10
espaço. Dessa forma, entende-se que para cada elemento é dado um valor diferente de acordo
com o lugar em que se encontra.
Definindo cada um dos elementos, Santos (2014a, p. 16-17) coloca-os da seguinte
forma:
Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de
trabalho, seja na candidatos a isso, trata-se de jovens desempregados ou não
empregados. [...] as firmas têm como função essencial a produção de bens,
serviços e ideias. As instituições, por seu turno, produzem as normas, ordens
e legitimações. [...] o meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais
que constituem a base física do trabalho humano. [...] as infra-estruturas são o
trabalho humano materializado e geografizado na forma de casas, plantações,
caminhos etc.
Em busca de uma consolidação do método geográfico, Santos (2014a) apresenta o que
ele denomina de categorias do método geográfico, sendo elas: estrutura, processo, função e
forma, tais categorias em conjunto possibilitam o desenvolvimento desse método. O autor alerta
para que nas análises geográficas essas categorias sejam articuladas para que assim possam
evidenciar as dinâmicas contraditórias presentes na organização dos objetos no espaço. De tal
forma, quando estudadas em conjunto elas possibilitam a compreensão do movimento da
sociedade no tempo e no espaço. Para Santos:
Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo
ordenado de objetos, a um padrão. Tomada isoladamente, temos uma mera
descrição de fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante do
tempo. Função, de acordo com o dicionário Webster, sugere uma tarefa ou
atividade de uma forma, pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter-
relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção.
Processo pode ser definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em
direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo
(continuidade) e mudança. (SANTOS, 2014a, p.69)
Para Santos (2014a), seria errôneo privilegiar apenas uma categoria, pois é possível
apreender a totalidade em seu movimento a partir de uma análise que leve em consideração as
quatro categorias. Seu pensamento atravessa o tempo, suas contribuições teóricas foram
pensadas de uma forma que permanecem atuais, como as categorias do método geográfico e as
variáveis que compõem o espaço foram pensados a partir de sua essência, buscando a
compreensão de como esses conceitos se estruturam em sua natureza.
Destacamos que as variáveis do espaço e as categorias do método geográfico podem e
devem ser utilizadas de maneira indissociável, para assim fornecer ao cientista preocupado com
a questão espacial conceitos que possam lhe direcionar a compreensão da natureza do espaço.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 11
Quando utilizados em conjunto esses conceitos possibilitam pôr em relevo as diversas
dinâmicas do espaço, inclusive o seu processo de desigualdade e contradição.
Outra definição de espaço bastante difundida por Milton Santos é a do espaço como um
conjunto de fixos e fluxos, apresentada em sua Obra Metamorfoses do espaço habitado (1988)
sendo considerada uma continuação de Por uma Geografia Nova. Santos (2014b) divide esta
Obra em dez capítulos, em que procura compreender o processo sob o qual estava presenciando
de “universalização do mundo”. Trata-se de uma Obra com grande valor conceitual e analítico,
a partir das contribuições teóricas de conceitos basilares para os estudos geográficos,
principalmente sobre o espaço geográfico, configuração territorial e paisagem.
Em Santos (2014b, p. 83) são expostos fundamentos teóricos para pensar o espaço a
partir da configuração territorial entendida como o território mais o conjunto de objetos
existentes sobre ele; objetos naturais ou objetos artificiais que a definem”. Diante dessa
perspectiva, o espaço pode ser entendido a partir da junção entre a paisagem, configuração
territorial e sociedade. Dessa forma, podemos analisar o espaço a partir da noção de forma-
conteúdo, onde a paisagem pode ser entendida como as formas, as dinâmicas sociais o
conteúdo, e a própria configuração territorial ser resultado do movimento dialético entre a forma
e o conteúdo, ou em outras palavras da herança espacial e das dinâmicas sociais atuais.
Santos (2014b, p. 85) apresenta que “o espaço é, também e sempre, formado de fixos e
fluxos [...] nós temos coisas fixas, fluxos que se originam dessas coisas fixas, fluxos que chegam
a essas coisas fixas [...] tudo isso, junto, é o espaço”. Os fixos são a materialidade e a
objetividade dessas formas que compõem o espaço, são as heranças sociais construídas para
determinados objetivos em um período histórico e que pode mudar de funcionalidade de acordo
com as necessidades humanas. os fluxos, são os movimentos, ou seja, as dinâmicas sociais
de cada período histórico.
Antes de prosseguirmos para a próxima discussão de espaço em Milton Santos a ser
apresentada, gostaríamos de realizar um esforço de aproximação entre as categorias do método
geográfico exposta em Espaço e Método e os fixos e fluxos discutidos em Metamorfoses do
Espaço Habitado. Aqui cabe ressaltar que tais categorias e conceitos propostos por Milton
Santos, não necessariamente precisam ser compreendidas e explicadas separadamente, é
possível aproximá-las e enriquecer as nossas análises a partir de suas contribuições teórico-
metodológicas.
Podemos pensar as categorias de forma e estrutura, como a materialidade que é
construída e elaborada no espaço, sendo elas o aspecto material do espaço. Desse modo, é
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 12
possível aproximar essas duas categorias com a proposta de fixos, isto é, dos objetos materiais
dispostos no espaço. as categorias de função e processo podem ser relacionadas com a
concepção de fluxos, ou seja, a partir delas podemos perceber o movimento, as atividades e as
relações sociais que ocorrem no espaço. É importante destacar que essa aproximação é válida
se utilizarmos todas as categorias articuladas, para que assim possamos entender a forma como
o espaço se organiza como um todo, utilizando de um lado a materialidade que o estrutura e de
outro o movimento que articula a sociedade em sua reprodução no espaço.
Seguindo com a análise do conceito de espaço no pensamento de Milton Santos,
chegamos naquela que é apontada como uma Obra que sintetiza a principais reflexões do autor,
A Natureza do Espaço, publicada originalmente em 1996. Nessa Obra, o espaço é considerado
como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. As formulações
expostas na Obra são resultados de mais de um quarto de século de pesquisa, leituras e releituras
do autor. Nela, o espaço geográfico é discutido e apresentado a partir das evoluções e mudanças
ocorridas com as técnicas, que passam a caracterizar um novo período, entendido como meio
técnico-científico- informacional.
De início Santos (2017) apresenta algumas insatisfações com relação a determinadas
abordagens na Geografia, como a persistência de muitos estudiosos na negligência do espaço,
apresentando mais uma vez críticas à busca pela definição da Geografia e a falta de preocupação
com a delimitação do objeto de estudo dessa ciência. Apresenta que “na realidade, o corpus de
uma disciplina é subordinado ao objeto e não o contrário” (SANTOS, 2017, p. 19). Portanto,
reitera nesta Obra a sua convicção de que o caminho a ser seguido é voltado para a discussão
sobre o espaço, e não sobre o que é a Geografia. Outra preocupação pertinente refere-se a união
espaço-tempo, dando um enfoque para a necessidade de se trabalhar essas categorias de forma
conjunta, não separando-as. Para Santos (2017, p.19) “o tempo aparece na prática separado do
espaço, mesmo quando é o contrário que se afirma”.
Na sua discussão, Milton Santos busca centralidade a cnica como um elemento
importante nas relações sociais e na produção espacial. A cnica comparece como um elemento
de ligação entre o ser humano e o espaço, e é através dela que o espaço é modificado, ou seja,
a técnica é tanto uma necessidade imediata, como fator da evolução humana. As técnicas para
Santos (2017, p. 29) são definidas como “um conjunto de meios instrumentais e sociais com as
quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria o espaço”.
O fenômeno técnico apresentado por Santos (2017) deve ser considerado na sua total
abrangência para alcançar a noção de espaço geográfico. Esse fenômeno técnico se espalha no
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 13
espaço de forma desigual, ou seja, existem partes do espaço com um adensamento técnico maior
do que outros e esse fato provoca uma fluidez maior nessa parte do espaço, elevando-o a uma
categoria de destaque e de imposição de sua lógica para os demais locais. A este quadro variável
e contraditório, Santos (2014) estabelece como sendo formado pelos espaços luminosos e pelos
espaços opacos, ou espaço do mandar e espaço do fazer.
A partir da cnica podemos delimitar partes do tempo, ou seja, é possível dividir a
história em períodos, onde cada um apresenta um sistema técnico com características próprias.
Santos (2017) vai denominar estes períodos como meio natural, meio técnico e meio técnico-
científico-informacional. Dessa forma, em cada um desses períodos existe um sistema técnico
que os dão características próprias e os diferenciam dos outros. Não é uma datação histórica
precisa e bem delimitada, é a temporalidade das técnicas no espaço.
O meio natural caracteriza-se pela prevalência de técnicas simples, em que a
transformação da natureza ocorria sem grandes mudanças. Conforme a sociedade avançou em
termos técnicos, o espaço presenciou novas formas de configuração de seus objetos e suas
ões. O período chamado de meio técnico, trouxe consigo mudanças significativas na esfera
técnica que possibilitou o surgimento de um novo arranjo espacial com novos significados e
novas racionalidades. Para Santos (2017, p.235) “os objetos que formam o meio não são apenas
objetos culturais, eles são culturais e técnicos, ao mesmo tempo [...] quanto ao espaço, o
componente material é crescentemente formado do natural e do artificial”. Portanto, a partir dos
novos sistemas técnicos é dada a eminência de um novo período denominado de meio técnico.
O meio técnico-científico-informacional, que compreende uma temporalidade técnica do
espaço marcada pela racionalidade da globalização da economia e de suas respectivas lógicas
espaciais.
Neste período, o espaço passa a ser caracterizado por profundas relações entre a ciência,
a técnica e a informação. Conforme Santos (2017, p.238):
Os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais,
que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua
localização, eles surgem como informação; e na verdade, a energia principal
de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos
às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de
meio técnico que se trata, estamos diante da produção de algo novo, a que
estamos chamando de meio técnico-científico-informacional.
O meio técnico-científico-informacional representa, portanto, um novo cenário na
organização do espaço mundial que implica na (re)configuração dos espaços nacionais,
regionais e locais. Para Santos (2017), a união entre ciência e técnica que, a partir dos anos
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 14
1970 havia transformado o território brasileiro, revigora-se com os novos e portentosos recursos
da informação que se estabelecem com os condicionantes postos pela globalização e pela
soberania imposta pela lógica do mercado.
Neste contexto, a concepção desenvolvida de espaço geográfico como um conjunto de
sistemas de objetos e sistemas de ações, nos permite analisar o fenômeno geográfico como um
todo. Segundo Santos (2017, p. 63),
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo
era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da
história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos,
mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial
tenda a funcionar como uma máquina.
Diante dessa concepção de espaço é pertinente destacar que precisamos compreender
esses sistemas em conjunto, ou seja, não basta analisar apenas as ações ou apenas os objetos.
Para Santos (2017, p. 63) “de um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se
dão as ações e, de outro, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre
objetos preexistentes”.
A conceituação do espaço geográfico como um conjunto que se estrutura com uma
condição relacional, inseparável, indissociável e contraditória de sistemas de objetos e de
sistemas de ações, nos proporciona compreender a forma como a sociedade se organiza no
espaço, através da sua base material de um lado e do outro uma série de relações que lhe dão
ações e intencionalidade, formulando assim o espaço geográfico.
Também ressaltamos a importância das demais definições de espaço discutidas
anteriormente, afinal todas elas são parte de um processo intelectual do autor que coadunam a
um ponto de maturidade conceitual. Todas elas trazem consigo contribuições para o
desenvolvimento do conceito de espaço geográfico e para o fortalecimento da Geografia
brasileira, através do seu processo de renovação teórico-metodológica todas as definições
apresentam seu valor e importância dentro do pensamento geográfico.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 15
Conclusões
A realidade está em constante movimento. A cada novo período histórico novas forças
se erguem sobre a produção, organização e transformação do espaço geográfico, de modo que
não podemos tomar este por um objeto imutável, inerte às mudanças. Tal condição inata à
Geografia projetou ao longo de sua trajetória evolutiva construções teórico-metodológicas
diversas, que caracterizaram os diferentes paradigmas e perspectivas epistemológicas.
Esse movimento do pensamento geográfico não deve, e não pode cessar, pois é dele que
a renovação da Geografia se alimenta. Neste trabalho, ao nos propormos a realizar esse exame
do conceito de espaço na obra de Milton Santos, trazemos ao debate as concepções teórico-
metodológicas de um autor que deixa sua imensa contribuição ao pensamento geográfico pós
década de 1970, e que nos lega bases analíticas compatíveis com a realidade socioespacial
configurada por variáveis que estão em um ritmo de transformação cada vez mais acelerado,
exigindo novas explicações da Geografia.
Com os avanços das técnicas, novas possibilidades foram criadas, novas relações foram
estabelecidas, um novo tempo está a nossa frente, o meio técnico-científico-informacional. É
esse cenário que endossa as reflexões de Milton Santos, cujo sistema de ideias vai ser
organizado em torno de uma nova racionalidade estabelecida no espaço a partir do avanço nos
campos científicos e comunicacional, fato que tornou o espaço a esfera contraditoriamente e
desigualmente articulada em torno dos interesses da sociedade capitalista.
Com relação as reflexões construídas ao longo da pesquisa teórica aqui empreendida,
podemos inferir que o conhecimento geográfico não é imutável, e está em constante movimento
de renovação e superação de ideias de acordo com os movimentos da sociedade no espaço.
Dessa forma, quando analisamos o conceito de espaço ao longo do movimento do pensamento
geográfico observamos que esse conceito ganhou diferentes concepções nas correntes de
pensamento, o espaço foi caracterizado e influenciado pelo ajuste teórico em cada corrente ao
longo das transformações que atingiram a realidade socioespacial de cada período técnico. Isso
fez do espaço, ora elemento central das abordagens geográficas, ora elemento secundário ou
simplesmente marginalizado.
No âmbito da teoria de Milton Santos, especificamente naquelas analisadas, percebe-se
que o espaço culmina como a categoria central capaz de explicar uma realidade que, ao mesmo
tempo em que era una e particular, era também uma totalidade complexa. É desta forma que o
espaço, tido muitas vezes como algo geral e impreciso, passa a ser o espaço geográfico o objeto
de estudo da Geografia.
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 16
Com relação as contribuições deste geógrafo para a Geografia brasileira destacamos de
início a obra Por um Geografia Nova (1978) e o seu impacto no movimento de renovação e
fortalecimento da Geografia na década de 1970. Santos (2012) propõe um Geografia refundada,
generosa com preocupações voltadas para as questões do espaço social, sendo o espaço elevado
à categoria de instância social, aquilo que se impõe a tudo e todos, o espaço como uma estrutura
autônoma.
Seguindo em suas contribuições Santos (2014a) estabelece as categorias do método
geográfico de análise, sendo elas forma, função, estrutura e processo, definidas no item 3.1
desse escrito. Tais categorias segundo Santos (2014a) devem ser estudadas e utilizadas em
conjunto para possibilitar ao geógrafo uma compreensão abrangente do espaço. Além dessas
categorias Santos (2014a) também apresentou os elementos/variáveis do espaço, sendo eles os
seguintes: os homens, as firmas, as instituições, o meio ecológico e as infraestruturas.
Um esforço de aproximação realizamos no item 3.1, relacionando as categorias do
método geográfico de análise de Santos (2014a) com a concepção de espaço geográfico como
um conjunto de fixos e de fluxos de Santos (2014b), observa-se que os fixos podem ser
relacionados com a materialidade e objetividade dos fenômenos, junto com as formas e as
estruturas, já os fluxos podem ser relacionados com as relações sociais junto com as categorias
de função e processo, o que caracterizam o movimento dentro do espaço geográfico.
Essa aproximação nos leva até a concepção mais desenvolvida e disseminada em Santos
(2017), na qual o espaço passa a ser entendido como um conjunto indissociável de sistemas de
objetos e sistemas de ações. O primeiro sistema podendo ser relacionado com a base material
do espaço, as lógicas e intencionalidades que estão presentes nas técnicas e nos objetos que são
produzidos através delas (os fixos do espaço). Já o segundo sistema pode ser entendido como a
funcionalidade, as forças, as atitudes, e os objetivos, ou seja, os fluxos do espaço, através dessa
relação entre esses sistemas em conjunto podemos entender o espaço geográfico.
O espaço geográfico pode ser entendido como a materialidade em movimento que se
realiza través das relações entre as formas do passado e do presente, por meio de uma sucessão
de avanços técnicos que condicionam mudanças na organização social e nas relações entre o
ser humano em sociedade com a natureza (esta entendida como uma segunda natureza). Dessa
forma, entendemos que a técnica trata-se de um fator primordial para a compreensão do espaço
geográfico, do seu passado ao seu futuro. A cada novo avanço técnico uma nova configuração
social é implantada, uma nova lógica é seguida, foi assim do meio natural ao meio técnico e
posteriormente ao meio técnico científico informacional.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 17
O espaço é algo relacional, ou seja, de um lado temos a materialidade ou os objetos, que
lhe dão a forma física que visualizamos e percebemos distribuídas no espaço, como um registro
de diferentes tempos, e do outro lado estão as intencionalidades por trás de cada objeto
construído e localizado no espaço. Neste caso, a preocupação geográfica evidenciada é entender
como esse processo condiciona as desigualdades presentes no espaço, ou seja, de um lado
encontramos territórios densamente tecnificados e do outro encontramos espaço com uma
carência técnica enorme, basta observa uma imagem das luzes no globo terrestre a noite que
percebemos tal discrepância.
Diante da face geográfica da globalização, ou seja, o meio técnico científico
informacional, percebe-se alguns aspectos que permitem ao geógrafo analisar a atual
organização do espaço em um nível mundial, o atual momento é movido por uma lógica
produtiva desenfreada que anseia o lucro, por e como apontou Santos (2019) uma mais valia-
universal. Temos uma ordem global que estabelece certas disponibilidades técnicas em certos
territórios e em outros não, existe um processo de desigualdade espacial a nossa frente, ou seja,
os objetos técnicos/geográficos não são distribuídos da mesma forma no espaço, nem muito
menos as ações.
Entender o espaço geográfico é de suma importância para se compreender o mundo,
como nos organizamos em sociedade, como ocorreu nosso processo de origem e para onde
estamos caminhando. Outro exemplo a ser citado nos remete as relações desarmônicas no atual
período técnico entre o ser humano e os aspectos físico-naturais, existe uma lógica global
imposta no espaço que está levando nosso planeta a um colapso dos recursos naturais,
implantado em uma grande parte da população um sistema de consumismo desenfreado que se
for seguido por todo o planeta entraremos em colapso nos próximos anos.
O conceito de espaço geográfico nos fornece elementos para compreender o processo
de organização da sociedade. É no espaço geográfico onde os agentes, processos, ações, objetos
e relações se entrecruzam no movimento de uma totalidade que se descontroem em partes
distintas que no movimento da realidade, voltam a ser totalidade novamente, em uma intensa e
contraditória relação dialética espaço-tempo-sociedade.
Notas epistemológicas sobre o conceito de Espaço Geográfico a partir de Milton Santos
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 18
REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. C. Geografia: Ciência da Sociedade. Recife: Ed. Universitária da UFPE,
2008.
BUNGE, W. Thereotical Geography. Gleerup. Lund, 1966.
CLAVAL, P. História da Geografia. Lisboa: Edições 70, 2006.
CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007
CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito-chave da Geografia. In: CASTRO, I. E. de; GOMES,
P. C. da C.; CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e Temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000.
DEMO, P. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de
Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
GIL, A. C. Como elaborar projeto de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
LEFÉBVRE, H. Lá Production de L’Espace. Anthoropos. Paris 1974.
LEFÉBVRE, H. Lógica formal/lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1975.
MORAES, A. Carlos Robert. Geografia: Pequena história crítica. 21. ed. São Paulo:
Annablume, 2007.
SANTOS, M.-H. T. dos. Biografia. Milton Santos, 2021. Disponível em:
https://miltonsantos.com.br/site/biografia/. Acesso em: 16 maio 2021.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. 9. Reimpr. São
Paulo: EDUSP, 2017.
SANTOS, M. Espaço e Método. 5. ed. 2. reimpr. São Paulo: EDUSP, 2014a.
SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado: Fundamentos Teóricos e Metodológicos
da Geografia. 6. ed. 2. reimpr. São Paulo: EDUSP, 2014b.
SANTOS, M. Por Uma Geografia Nova: Da crítica da Geografia a uma Geografia crítica. 6.
ed. 2. reimpr. São Paulo: EDUSP, 2012.
SILVEIRA, D. T.; CÓDOVA, F. P. A pesquisa científica. In: GERHARDDT, T. E.;
SILVEIRA, D. T. (org.). Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora de UFRGS, 2009.
Wagner Alves CABRAL
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023004, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8895 19
SUERTEGARAY, D. M. A. Cadernos geográficos 12: notas sobre epistemologia da
geografia. Florianópolis, SC: UFSC, 2005.
ULLMAN, E. L. Geography as Spatial Interaction. In: REUZAN, D.; ENGLEBERT, E. S.
Internacional Linkagrd. Berkerly: University of California Press, 1954.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Formatação e normalização.